A comunhão do remanescente fiel na igreja

O Mestre e os verdadeiros discípulos
31/01/2021
BOLETIM 719, DE 02.01.2022
30/12/2021

Ef 4.1-6

Queridos, ao longo dos anos eu tenho insistido em lhes dizer que igreja, em seu termo original, como era a igreja primitiva, significa tão somente a reunião de irmãos, a fim de serem discipulados pelo pastor segundo a Palavra de Deus, e, à luz desse ensino, pela edificação mútua, viverem em santidade de vida, testemunhando a maravilhosa salvação em Cristo Jesus. Esta é a essência do livro de Atos dos Apóstolos e das cartas apostólicas

            Qualquer coisa que vá além disso, se por um lado transforma a igreja em uma simples organização sociorreligiosa, como aconteceu desde os primeiros séculos da era cristã, mudando para uma organização econômica, como temos visto nas últimas décadas, por outro lado, em nossos dias pós-modernos, caracterizados pelo imediatismo, pelo individualismo e pela consequente falta de comprometimento das pessoas, contemplamos a proliferação de ditas igrejas como simples comunidades virtuais, lideradas por falsos pastores também virtuais, que, na verdade, não pastoreiam ninguém.

Lembramos que estas coisas estão de conformidade com as palavras de Jesus sobre os últimos dias: E por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase todos (Mt 24.12). Sinal dos tempos, irmãos. Agora, prestem atenção! Em nossa época pós-moderna, por se multiplicar a iniquidade, presenciamos mais uma transição histórica na vida da igreja. O que já se havia transformado em organização sociorreligiosa, corrompeu-se ainda mais priorizando o aspecto econômico, agora caminha para a inconsistência, para a desmaterialização pelo fenômeno virtual.

Porém, isto não deve nos alarmar, nem nos desanimar. Afinal, estamos vivenciando o cumprimento da profecia. Quando vemos as megaigrejas superlotadas de indivíduos querendo bênçãos pessoais descomprometidos com os outros, ou na comodidade dos seus lares diante de pastores virtuais, devemos nos concentrar em um detalhe nas palavras do Senhor Jesus: o amor de esfriará de quase todos.

Ou seja, o quase indica que sempre haverá um remanescente fiel, como sempre ocorreu em toda a história de Israel, e o Senhor garantiu através do apóstolo Paulo: Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça (Rm 11.5). Ah, irmãos! Como o Senhor é bom! Em meio à iniquidade que se multiplica levando o amor a se esfriar de quase todos, pela sua graça, Deus conserva, mesmo no tempo de hoje, um remanescente segundo a eleição da graça. A questão é: como identificar esse remanescente? Pela vida em comunidade presencial, pelo discipulado dos irmãos, pelo amor comunitário, uma vez que nenhuma virtude pode edificar isoladamente, nem pode se reproduzir no individualismo.

O que vemos no texto lido? Comunhão! Unidade de corpo, unidade de virtudes, unidade de sentimentos, unidade porque estas coisas nos vêm do mesmo Deus Pai, Filho e Espírito Santo. É por isso que somos exortados a viver em união, porque a comunidade dos santos é evidência da graça salvadora em nossas vidas. Como já temos ensinado em diversas ocasiões, se a salvação, como uma obra completa, é graça de Deus, esta mesma graça nos infundirá responsabilidade e esforço para que desenvolvamos a salvação através da santificação, e isso envolve, obrigatoriamente, estudo na comunhão dos salvos.

Acontece que vida em comum é muito difícil, porque somos indivíduos únicos, e o pecado nos empurra constante e fortemente para que sejamos individualistas. Não queremos saber dos problemas dos outros, muito menos compartilhá-los. Por isso, na igreja empresa, multidões se acotovelam e pagam individualmente por supostas bênçãos, também individuais, e não têm compromisso com ninguém. Na igreja virtual, outras multidões ligam a TV, não se relacionam com ninguém, e se dão por felizes ao não ter que suportar tantas pessoas difíceis de aturar nas reuniões presenciais, na vida comunitária.

Mas, a verdadeira igreja, composta pelo remanescente fiel, é diferente. Como vimos nos versículos lidos, os irmãos são chamados à santidade, e esta só se desenvolve na comunhão dos santos. É na comunhão que demonstramos humildade, mansidão, longanimidade e paz. É na comunhão que nos suportamos uns aos outros. Somente vivendo em comunhão nós somos capacitados através do esforço diligente em preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz.

Irmãos, nós sabemos disso! Como Igreja, sabemos da nossa responsabilidade na comunhão dos santos, mas também sabemos que a comunhão só pode ser preservada no vínculo da paz, a paz do Senhor Jesus: Deixo-vos a paz; a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo (Jo 14.27). Só o remanescente fiel é capaz de receber e preservar a paz, um dos aspectos do fruto do Espírito, porque sabe que o seu esforço pessoal na comunhão é fruto da salvação pela graça poder e pelo de Deus em suas vidas.

Sem Cristo, por mais educados que sejamos, por mais que nos esforcemos, jamais seremos capazes de produzir a paz e viver em comunhão. Somente a verdadeira igreja, a comunidade do remanescente fiel, a comunidade daqueles que têm o coração cheio de gratidão pela salvação recebida de graça, é capaz de lutar para viver em comunhão, desenvolvendo as características daquele que os salvou, e que neles passou a habitar na pessoa do Espírito Santo. Esta é a vocação a que fomos chamados (v.1).

Podemos observar que as dádivas elencadas pelo apóstolo Paulo nos vv.2,3, humildade, mansidão, longanimidade, paz, todas elas vêm de Deus, são aspectos do fruto do Espírito de Gl 5.22,23. Por isso, para que sejamos humildes, mansos, longânimes e pacíficos é imprescindível que sejamos salvos e tenhamos uma correta visão da majestade de Deus, a quem pertence toda virtude, toda dádiva e toda glória (Tg 1.17).

Quem não tem essa visão, mesmo achando que é crente, desenvolve um conceito errado de si mesmo, pensa que é alguma coisa, e imagina-se superior aos outros. Por isso não consegue ser humilde, manso, longânime, pacífico, e prefere uma igreja na qual se compram bênçãos individuais, ou igrejas virtuais, nas quais não se relaciona com ninguém.

Somente na igreja, a comunhão do remanescente fiel, nós conseguimos nos edificar mutuamente, na doutrina dos apóstolos, nas orações e na comunhão. Assim como é verdade que Deus nos santifica individualmente, também é verdade que ele o faz através dos nossos relacionamentos. Desde a antiguidade, já ensinava o sábio Salomão: Como o ferro com o ferro se afia, assim o homem ao seu amigo (Pv 27.17).

Prestem atenção, irmãos! Nenhum pecador é naturalmente humilde, manso, longânime ou pacífico. Só um tolo é capaz de imaginar que é bom, que tem justiça própria. É por isso que precisamos da igreja, que é a comunhão do remanescente fiel, para que possamos ser treinados a desenvolver as virtudes de Deus que nos foram dadas pela sua graça, sabendo que todos nós somos responsáveis uns pelos outros. Afinal, somos um só corpo, em um só Espírito, santificados para a mesma esperança da glória de Deus Pai.

A vocação a que fomos chamados, portanto, como igreja, como comunidade do remanescente fiel, ainda que cheia de pecadores, para que testemunhemos a maravilhosa salvação recebida pela graça, exige uma convivência comunitária em amor, para que nos edifiquemos mutuamente, pelo ensino da Palavra, até que cheguemos à estatura do varão perfeito, que é Jesus, nosso Senhor, e é ele mesmo quem opera tudo isso em nós.

Este é o alvo final da igreja como comunidade do remanescente fiel. Que Deus nos conceda graça para entender a sua palavra, e para pô-la em prática, para louvor da sua glória. Amém.