Calvinismo X Arminianismo

Estudos sobre Jesus (1) – Lc 24.13-35
10/08/2014

Calvinismo X Arminianismo é um trabalho sintético com base, principalmente, no livro “As Antigas Doutrinas da Graça”, do Pastor Paulo Anglada, com adaptações e inserções de outros textos. Compare com as Escrituras Sagradas.

1. INTRODUÇÃO

Muito embora o termo “Calvinismo” identifique o sistema de doutrinas ensinado por João Calvino, o nome não é tão apropriado, uma vez que, na verdade, essas doutrinas não são subscritas apenas por ele. O Calvinismo é a síntese das doutrinas do Senhor Jesus, conforme proclamado por Paulo, Agostinho e pelos reformadores Lutero, Zwínglio e João Knox, por exemplo, em sua  redescoberta e retorno à pregação apostólica do evangelho bíblico. Além disso, esse sistema de doutrinas conhecido como Calvinismo é também contemplado nas confissões de fé originais das igrejas Luterana, Reformada, Presbiteriana, Anglicana, Congregacional e Batista.

Charles Spurgeon, pastor batista inglês do século XIX conhecido como “O Príncipe dos Pregadores”, o mais eloquente pregador cristão desde o apóstolo Paulo, fez a seguinte declaração: “Minha opinião pessoal é que não há pregação de Cristo e esse crucificado, a menos que se pregue aquilo que atualmente se chama Calvinismo, pois Calvinismo é o evangelho e nada mais. Não creio que possamos pregar o evangelho, a menos que preguemos a soberania de Deus em sua dispensação da graça, e exaltemos o amor eletivo, imutável, eterno, inalterável e conquistador de Jeová. Também não penso que podemos pregar o evangelho, a menos que o alicercemos sobre a redenção especial e particular do seu povo eleito e escolhido, que Cristo realizou na cruz, nem posso compreender um evangelho que permite que os santos apostatem depois de haverem sido chamados.” (SPURGEON, apud ANGLADA, 1996:1)

2. HISTÓRICO

A doutrina calvinista tornou-se mais amplamente conhecida pelo que se convencionou chamar de “os cinco pontos do calvinismo”, que são a síntese das doutrinas reformadas, amplamente conhecidas a partir do Sínodo de Dort, convocado a 13 de novembro de 1618 e estendeu-se até 09 de maio de 1619.

No final do século XVI, a estrita moral e a teologia precisa do calvinismo de Genebra suscitaram reação por parte de alguns eruditos da Holanda, onde as tradições humanistas não haviam morrido e o anabatismo estava bastante difundido. Avessos a definições doutrinárias precisas, essa corrente de pensamento tornou-se conhecida através do seu representante mais famoso, um professor da Universidade de Leyden, de nome Jacó Armínius (1560-1609), que questionou algumas das doutrinas centrais aceitas pelas igrejas protestantes da época.

Com a morte de Armínius, seus discípulos sistematizaram e desenvolveram suas doutrinas, em oposição à precisão doutrinária buscada na época, por considerarem o cristianismo primeiramente uma força de transformação moral, constituindo-se assim, numa espécie de “semi-pelagianismo”. Em 1610, cerca de quarenta simpatizantes das idéias de Armínius redigiram uma declaração de fé conhecida como “The Remonstrance” (A Representação). A Representação foi condenada pelo Sínodo de Dort, que contou com representantes não só dos Países Baixos, mas também de outros países, como a Inglaterra e Suíça, que se reuniram durante seis meses, de novembro de 1618 a maio de 1619.

Os assim chamados “Cinco Pontos do Calvinismo”, são, portanto, a síntese da doutrina reformada, formulada em contraposição ao que podemos chamar “Os Cinco Pontos do Arminianismo”, condenados pelo Sínodo de Dort.

3. AVALIAÇÃO CRÍTICA

Apresentaremos, abaixo, a síntese da declaração de fé arminiana, e a síntese da doutrina reformada que ficou conhecida como “os cinco pontos do calvinismo”, ou, em outras palavras, as doutrinas reformadas que os arminianos queriam alterar, mas que foram confirmadas pelo Sínodo de Dort, seguidas do necessário embasamento bíblico.

3.1 – Depravação Total – Uma das doutrinas fundamentais questionadas foi a “doutrina da queda”. Mais especificamente, a natureza da corrupção que a queda produziu no homem. O arminianismo defende o livre-arbítrio ou a capacidade humana. Segundo eles, o homem em seu estado natural tem, em si mesmo, a capacidade para responder negativa ou positivamente ao evangelho. A queda não o deixou totalmente incapacitado para escolher no que diz respeito às questões espirituais. Ainda em estado de pecado, sem uma operação prévia do Espírito Santo, ele pode cooperar, com a fé e o arrependimento. A corrupção espiritual produzida pela queda, portanto, para os arminianos, foi apenas parcial.

O calvinismo entende o oposto. A doutrina calvinista da “depravação total” ensina que, depois da queda, o homem não tem mais livre-arbítrio. Ele continua responsável, pois o estado de pecado em que se encontra foi decorrente da sua livre decisão no Éden. Mas agora, em estado de pecado, a vontade do homem foi escravizada pelo pecado que o cegou, impedindo-o de discernir e consequentemente decidir positivamente, por si mesmo, em questões espirituais vitais para a salvação. Entende que a corrupção espiritual produzida pela queda foi tal que, espiritualmente falando, o homem está morto nos seus delitos e pecados. Assim, para o calvinismo, o homem não precisa apenas de justificação, mas de vivificação. Ele precisa ser primeiro regenerado pelo Espírito Santo de Deus, para que então possa ser convencido do pecado e se arrependa, e seja iluminado para crer no evangelho da salvação.

A respeito da queda, as escrituras nos relatam que não foi apenas uma simples desobediência sem maiores consequências. Na verdade, foi um processo em que o pecado envolveu totalmente o ser de nossos primeiros pais. O intelecto foi tomado pela dúvida, que produziu incredulidade, que gerou insubmissão, que por sua vez degenerou em rebeldia contra Deus. A vontade foi tomada pelo desejo pecaminoso de tornarem-se iguais a Deus e os sentimentos só foram satisfeitos com o prazer carnal de comer do fruto proibido.

Conforme as palavras de Deus em Gn. 2:17, “… no dia em que dela comeres, certamente morrerás”, verdadeiramente o homem morreu, não fisicamente como sabemos, pois, o próprio texto relata que isto só veio a ocorrer cerca de novecentos anos depois. Porém, sabemos também, que separado de Deus, a fonte da vida espiritual, o homem morreu espiritualmente, segundo a advertência de Deus

E como escreveu Berkhof, “a coisa não parou aí, pois com esse primeiro pecado Adão passou a ser escravo do pecado. Esse pecado trouxe consigo corrupção permanente, corrupção que, dada a solidariedade da raça humana,  teria efeito não somente sobre Adão, mas também sobre todos os seus descendentes” (BERKHOF, 1990:222), e é isso mesmo que Paulo ensina em Rm 5:12 – “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram”.

As escrituras não deixam a menor dúvida quanto ao estado espiritual do homem não regenerado: está morto em seus delitos e pecados (Ef 2:1,5). Seus sentidos espirituais não funcionam porque “o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co. 4:4). O próprio Jesus afirma isso quando diz: “Qual a razão por que não compreendeis a minha linguagem? É porque sois incapazes de ouvir a minha palavra” (Jo 8:43). Ou seja, o homem  natural não pode ouvir a voz de Cristo, porque ele está surdo, está morto para o chamado do evangelho.

Por isso é que as Escrituras descrevem a conversão com termos como regeneração, novo nascimento, vivificação, ressurreição, etc. “Se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (Jo 3:3). “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo11:25). “Pois assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim o Filho vivifica a quem quer” (Jo 5:21). “E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura: as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2Co 5:17).

Termos como estes significam claramente que o homem em estado de pecado está morto e incapacitado para, por si só, sair do estado em que se encontra e passar para o estado de graça.

3.2 – Eleição Incondicional – Outra doutrina rejeitada pelos arminianos, foi a “doutrina da eleição”. O arminianismo crê na eleição condicional, baseada na presciência de Deus. Crê que Deus, antes da fundação do mundo, escolheu aqueles a quem anteviu que se arrependeriam e creriam no evangelho. Trata-se, portanto, de uma eleição condicional, cuja condição é o arrependimento e a fé. Ou seja, Deus elege aqueles a quem previu que o elegeriam.

O calvinismo, por sua vez, crê na “eleição incondicional”. Crê que a escolha de alguns homens para a santidade e para a vida não se baseia em nenhum mérito ou virtude humana, nem mesmo na fé ou o arrependimento, mas unicamente no amor e na misericórdia de Deus como expressão da sua livre e soberana vontade. Para o calvinismo a fé e o arrependimento não são condição, mas resultado da eleição, o meio que Deus escolhe para aplicar a salvação aos eleitos. Deus não elege porque antevê arrependimento e fé; antes, Ele produz arrependimento e fé porque elegeu.

A doutrina da eleição incondicional é clara e abundantemente ensinada nas escrituras. Os termos eleitos e escolhidos são empregados com tanta frequência designando os crentes em Cristo, que tornaram-se como que termos técnicos para designar o povo de Deus. Nos evangelhos, assim como praticamente em todas as epístolas, os membros da Igreja são chamados de escolhidos ou eleitos.

Podemos começar com Jesus, falando sobre a grande tribulação: “Não tivesse o Senhor abreviado aqueles dias, e ninguém se salvaria; mas por causa dos eleitos que ele escolheu, abreviou tais dias” (Mc 13:20). Logo a seguir, adverte: “…surgirão falsos cristos e falsos profetas, operando sinais e prodígios, para enganar, se possível, os próprios eleitos (Mc 13:22).

Em Efésios 1:4-5, Paulo nos afirma que Deus “… nos escolheu nele [em Cristo] antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito da sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado”.

Escrevendo aos Tessalonicenses, o apóstolo também agradece a Deus pela eleição dos irmãos, dizendo: “… devemos sempre dar graças a Deus, por vós, irmãos amados pelo Senhor, por isso que Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade” (2Ts 2:13).

Em Romanos, Paulo pergunta: “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus?” (8:33). Escrevendo aos Colossenses, exorta-os dizendo: “Revesti-vos, pois, como eleitos do Senhor, santos e amados de ternos afetos de misericórdia…” (3:12). A Timóteo, Paulo diz: “… tudo suporto por causa dos eleitos…” (2Tm 2:10). Já Pedro dirige-se à igreja da dispersão dizendo: “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos que são forasteiros da Dispersão…” (1Pe 1:1). O mesmo acontece com João: “O presbítero à senhora eleita e aos seus filhos… Os filhos da tua irmã eleita te saúdam” (2Jo 1,13).

É oportuno ressaltar que, no tocante à eleição, a Palavra de Deus não deixa dúvidas quanto a quem elege quem. Não são os homens que escolhem a Cristo, como dizem os arminianos, e sim Cristo quem escolhe os homens (Jo 15:16). Estes são chamados segundo o propósito de Deus (Rm 8:28), conforme o conselho da sua vontade (Ef 1:11). Assim, vêm a Cristo, apenas os eleitos, aqueles que o Pai escolheu antes da fundação do mundo, conforme as Escrituras: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” (Jo 6:37). “Ninguém poderá vir a mim, se pelo Pai não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia”  (Jo 6:44). “Ninguém poderá vir a mim, se pelo Pai não lhe for concedido” (Jo 6:65). “Não falo a respeito de todos vós, pois eu conheço aqueles que escolhi” (Jo 13:18).

A eleição, portanto, é incondicional, porque incondicional é o amor de Deus. A Palavra nos diz que “Deus prova o seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5:8). Isto é,  Deus manifestou o seu amor, não devido aos nossos méritos, mas apesar de nós. “Porque se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte de seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida” (Rm 5:10). Ou seja, quando fomos reconciliados com Deus, não éramos pessoas arrependidas ou cheias de fé nas promessas de Deus, e sim pecadores, inimigos. Essa é a maior evidência da eleição incondicional de Deus, doutrina mais fortemente explícita no texto de Romanos 9:11-13. Deus amou a Jacó e não a Esaú, antes que nascessem e tivessem praticado mal ou bem, para que prevalecesse a vontade livre e soberana de Deus em escolher quem ele quer.

3.3 – Expiação Limitada – Outro item da representação arminiana, dizia respeito à “doutrina da expiação”. As Escrituras afirmam que Cristo nos resgatou do pecado morrendo na cruz em nosso lugar. O justo pelo injusto. Até aqui, nenhuma dúvida. Só que o arminianismo crê na expiação geral, na redenção universal. Ou seja, que Cristo morreu na cruz por todos os seres humanos indistintamente. Crê que a expiação de Cristo não foi individual, mas potencial. Cristo não morreu na cruz em substituição a cada um dos eleitos individualmente, mas de modo geral, por toda a raça humana, permitindo, assim, que Deus perdoasse os pecados daqueles que viessem a crer nele. Desse modo, a doutrina arminiana da expiação apenas tornou possível a salvação de todos, mas não assegura a salvação de ninguém.

Já o calvinismo crê na “expiação limitada” de Cristo. Isto não quer dizer que a expiação de Cristo não seja suficiente para a salvação do mundo inteiro, mas sim que foi eficiente apenas para a salvação dos eleitos, pois este foi o seu propósito. Ou seja, Cristo morreu na cruz, não apenas potencialmente, mas em substituição verdadeira e individual aos eleitos. O calvinismo não entende que Cristo veio ao mundo apenas para possibilitar a redenção de todos, mas para efetivamente redimir os eleitos através da sua morte vicária e expiatória na cruz. A expiação não é potencial e geral, mas objetiva e pessoal.

A Palavra de Deus nos revela que os seus decretos são imutáveis, eternos, soberanos e eficazes. Os propósitos eternos de Deus não podem ser frustados pelas contingências temporais. O propósito daquele “em quem não pode existir variação ou sombra de mudança” (Tg 1:17) não pode mudar. “Mas se ele resolveu alguma coisa, quem o pode dissuadir? O que ele deseja, isso fará” (Jó 23:13). “O conselho do Senhor dura para sempre, os desígnios do seu coração, por todas as gerações” (Sl 33:11). “O meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade”, diz o próprio Senhor em Isaías 46:10. Assim sendo, em se admitindo que nem todos serão salvos, mas apenas um número limitado, isso implica que Deus, com a morte de Cristo, tencionou salvar apenas estes e não todos. Se o propósito de Deus com a morte de Cristo fosse salvar todos, fatalmente, à luz dos versículos citados, todos seriam salvos.

O próprio Jesus, no capítulo 10 de João diz: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas… Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim, assim como o Pai me conhece a mim e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas… Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas” (Jo 10:11,14-15, 26). Em outras palavras, o que Jesus diz nestes versos é que ele tem o seu rebanho, e que é por estas ovelhas que ele daria a sua vida.

Há, também, as palavras de Jesus na oração sacerdotal, no capítulo 17 de João. O sacrifício e a intercessão de Cristo, como sabemos, são dois aspectos da sua obra expiatória. Assim, ao citarmos a extensão da intercessão de Cristo, estamos falando também da extensão da sua expiação. Aqueles pelos quais intercede, são os mesmos pelos quais morreu. “Manifestei o teu nome aos homens que me deste neste mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra… É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus” Jo 17:6,9). Jesus não podia ser mais claro sobre a extensão da expiação. Ele não intercederia apenas pelos eleitos, se tivesse morrido por todos.

Além disso, a Bíblia nos afirma que a morte de Cristo alcançou afetivamente o que se propunha, salvando, redimindo, purificando, e reconciliando com Deus a quem propôs fazê-lo através do seu sangue. Lemos em Hb 1:3 que o Filho “…depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade nas alturas”. Em Cl 1:22, lemos que Cristo “…vos reconciliou no corpo da sua carne, mediante a sua morte, para apresentar-vos perante ele, santos inculpáveis e irrepreensíveis”.

Todos estes textos citados, e muitos outros, afirmam que o propósito da expiação foi efetivamente alcançado por Cristo. Sua morte assegurou a redenção eterna, a purificação dos pecados e a reconciliação de todos os que se propôs salvar: os eleitos que o Pai lhe dera.

3.4 – Graça Eficaz – O item seguinte da representação arminiana era com relação à “doutrina da graça”; a natureza da graça de Deus em alcançar os pecadores; a eficácia do chamado de Deus; a soberania do Espírito Santo na aplicação da obra da redenção. O arminianismo crê na graça resistível. Ou seja, que depende do pecador permitir que a graça de Deus o alcance, ou resistir a ela. Crê que a aplicação da redenção ao coração dos pecadores não é obra soberana do Espírito Santo, mas depende da vontade livre do homem que pode submeter-se ou resistir a graça de Deus. Os redimidos não serão aqueles a quem Deus eficazmente chamou, mas aqueles que decidem aceitar o apelo geral e indistinto do Espírito.

O sistema doutrinário calvinista defende a “graça eficaz”, irresistível; a soberania de Deus em aplicar a redenção no coração dos eleitos; o chamado eficaz de Deus para a salvação. Os calvinistas creem que o que faz alguns submeterem-se e outros rejeitarem a vontade de Deus, em última instância, é a graça irresistível de Deus em chamar eficazmente os eleitos para a salvação. Creem que a ação de Deus no coração de seus eleitos não poderá ser eficazmente resistida, e isso não quer dizer que os pecadores serão convertidos à força, mas que suas vontades serão eficazmente convencidas, que os pecadores serão levados ao arrependimento e crerão no evangelho, de modo que acabarão respondendo positivamente ao chamado do Espírito Santo. Os calvinistas creem que a ação do Espírito Santo no coração dos eleitos é invencível; que a graça de Deus para com eles é irresistível; que os propósitos de Deus na eleição e a obra de Cristo na expiação serão efetivamente aplicados pelo Espírito Santo. Em outras palavras, os calvinistas creem que a quem Deus elegeu, a estes também chamou, e a estes também justificou (Rm 8:30). Creem que não há eleito que não seja chamado, e que não há chamado que não seja justificado. A doutrina calvinista da “graça eficaz” diz respeito, portanto, à aplicação da obra da redenção ao coração dos eleitos de Deus. O Pai elege, Cristo redime e o Espírito Santo aplica a graça redentora de Deus aos eleitos, chamados irresistivelmente para a salvação (Ef 1:3-14).

É o que diz a Confissão de Fé de Westminster: “Todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e só esses, é Ele servido, no tempo por Ele determinado e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza, e transportando-os para a graça e salvação. Isso Ele o faz, iluminando os seus entendimentos espirituais a fim de compreenderem as cousas de Deus para a salvação, tirando-lhes os seus corações de pedra e dando-lhes um coração de carne, renovando as suas vontades e determinando-as pela sua onipotência para aquilo que é bom e atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo para isto dispostos pela sua graça. Esta vocação eficaz é só da livre e especial graça de Deus e não provém de qualquer cousa prevista no homem; na vocação, o homem é inteiramente passivo, até que, vivificado e renovado pelo Espírito Santo, fica habilitado a corresponder a ela e a receber a graça nela oferecida e comunicada” (Artigos 22 e 24).

A respeito da graça eficaz, a Bíblia nos diz desde o Velho Testamento que é Deus quem inclina o coração do homem: “Inclina-me o coração aos teus testemunhos, e não à cobiça” (Sl 119:36). Salomão cria assim: “Como ribeiro de águas, assim é o coração do rei nas mãos do Senhor; este, segundo o seu querer, o inclina” (Pv 21:1). Jeremias também cria assim: “Eu sei, ó Senhor, que não cabe ao homem determinar o seu caminho, nem ao que caminha dirigir os seus passos” (Jr 10:23). Se não cabe ao homem  determinar o seu caminho, muito menos no que diz respeito à salvação: “Cura-me, Senhor, e serei curado, salva-me e serei salvo; porque tu és o meu louvor” (Jr 17:14). Outros textos como Jr 31:33 e 32:39-40, deixam claro que a salvação de Israel dependia da graça de Deus, graça que não era extensiva a toda a nação judaica, “pois nem todos os de Israel são de fato israelitas; nem por serem descendentes de Abraão, são todos seus filhos” (Rm 9:6-7), mas apenas “um remanescente segundo a eleição da graça” (Rm 11:5).

 Nos Evangelhos, a doutrina da “graça eficaz” torna-se mais clara. Os Evangelhos nos dizem que os que creem no nome de Cristo “não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. Foi Cristo que “deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus” (Jo 1:12-13). Foi o próprio Cristo quem disse que “…se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (Jo 3:3). Continuando, Ele explica no verso 5 que “quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus”. No verso 8, Jesus deixa claro a soberania do Espírito Santo em aplicar a obra da redenção: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito”.

A explicação que Jesus nos dá em Jo 6:37,44, não pode ser mais clara: “Todo aquele que o Pai me dá (os eleitos), esse virá a mim (será irresistivelmente chamado); e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora… Ninguém pode vir a mim (ninguém obedecerá ao evangelho) se o Pai que me enviou não o trouxer (se não for irresistivelmente chamado pelo Espírito); e eu o ressuscitarei no último dia”. O que estes versículos afirmam, em outras palavras, é que os eleitos serão irresistivelmente chamados, e que ninguém obedecerá ao chamado externo do evangelho, se não for irresistivelmente chamado pelo Pai através do seu Espírito.

Em todo o Novo Testamento, encontramos textos que alicerçam a doutrina da “graça eficaz”. Como exemplo, citaremos Ef 1:18, onde o apóstolo Paulo ora a Deus para que ele conceda aos crentes de Éfeso discernimento espiritual, para que compreendam “…a esperança do seu chamamento”, ou seja, a firmeza da vocação de Deus e a eficácia da sua graça especial, através do chamado irresistível do Espírito Santo. Compreendendo isso, eles compreenderiam “…a suprema grandeza do seu poder para os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder” (v. 19). Os efésios compreenderiam que a vocação irresistível do Espírito Santo revela a eficácia da força do poder de Deus. Só tal poder pode vivificar um coração morto, restaurar as faculdades espirituais de um pecador, restaurar sua mente e inclinar sua vontade para Deus. Trata-se do mesmo poder “…o qual exerceu Ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais” (v. 20).

A explicação para tão grande transformação operada em nós não está no nosso “livre-arbítrio” ou na soberana decisão humana, mas no “…poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com santa vocação (chamado irresistível); não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação (eleição) e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos”. Essa é a explicação do apóstolo Paulo a Timóteo (2Tm1:8c-9).

Não podemos, à luz da Palavra, atribuir qualquer glória da salvação ao homem. É o Pai quem soberanamente escolhe, o Filho quem objetivamente redime e o Espírito quem irresistivelmente chama, aplicando eficazmente a graça da salvação ao coração de homens indignos e totalmente imerecedores da graça de Deus. Por isso é que Paulo conclui sua exposição da doutrina da salvação pela graça, afirmando: “Porque dele e por meio dele e para ele são todas as coisas. A Ele, pois, a glória eternamente. Amém”. (Rm 11:36).

3.5 – Perseverança dos Santos – O quinto e último ponto da doutrina calvinista atacado pelos arminianos relacionava-se com a “doutrina da salvação”. Relacionava-se com a perseverança na salvação, com a durabilidade, certeza, consumação ou eternidade da salvação. Os arminianos crêem na instabilidade da salvação; que a salvação pode durar, ou não, dependendo da própria determinação humana, e isso é coerente dentro do seu sistema doutrinário. Se a salvação para eles depende do livre-arbítrio, é de se esperar que a glorificação também dependa da determinação da vontade humana. Assim, crêem que o salvo pode cair da graça, pode efetiva e definitivamente apartar-se da graça de Deus, se não permanecer na fé. Em outras palavras, para os arminianos é possível ser salvo hoje, e amanhã não. Eles crêem na regeneração e na “desregeneração”.

Os calvinistas ensinam o oposto: “a perseverança dos santos”. Ensinam que a mesma graça de Deus que os salvou, agirá eficazmente nas suas vidas, de modo que não poderão cair total e finalmente da graça de Deus. Os calvinistas creem que a justificação, a regeneração e a adoção são obras irreversíveis, já que não pode mais haver condenação para os que estão em Cristo Jesus. Creem que, visto que Deus começou a obra, haverá de completá-la (Fp 1.6), e que não há justificado que não venha a ser glorificado. Isso não que dizer, entretanto, que o salvo não mais cometa pecado, mas que Deus, sendo fiel, não permitirá que seus eleitos sejam tentados além das suas forças e que lhes concederá o auxílio necessário a fim de que possam resistir às tentações, de modo que não venham jamais a se apartar definitivamente da graça de Deus (1Co 10:13).

Observando alguns trechos das Escrituras a esse respeito, podemos começar com uma promessa que se cumpre em cada eleito de Deus, os verdadeiros israelitas, em Jr 32:38-40: “Eles serão meu povo, e eu serei o seu Deus. Dar-lhes-ei um só coração e um só caminho, para que não temam todos os dias… Farei com eles aliança eterna segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim”.

O salmista, por sua vez, nos diz que “o anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra” (Sl 34:7). É por isso que o salvo persevera na salvação: porque não somos deixados por nossa própria conta. O Senhor nos livra do pecado, da nossa natureza pecaminosa, e do inimigo das nossas almas.

É o Senhor Jesus que nos diz: “Em verdade, em verdade vos digo: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo 5:24). “Em verdade, em verdade vos digo: Quem crê, tem a vida eterna” (Jo 6:47). “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente…” (Jo 6:51). “Aquele, porém, que beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede, para sempre; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” (Jo 4:14). Estes, e muitos outros textos, deixam claro que a natureza da vida de recebemos de Cristo, é eterna e não transitória. “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, eternamente, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que o Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar (Jo 10:27-29).

Não pode haver ensino mais claro do que este sobre a doutrina da “perseverança dos santos”. Não há poder no mundo visível ou invisível capaz de separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus (Rm 8:35-39). A perseverança dos salvos manifesta a eficácia da força do poder de Deus. Perseverar na graça não é obra humana, mas divina; não é obra natural, é sobrenatural.

Em Fp 1:6, o apóstolo Paulo manifesta a convicção que tinha dessa verdade aos crentes de Filipos: “Estou plenamente certo que aquele que começou boa obra em vós, há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus”. A obra da redenção é irreversível, visto que foi determinada na eternidade.

Nós não fomos eleitos por nossos méritos, não fomos redimidos por nossos méritos, não fomos chamados por nossos méritos, nem perseveraremos por nossos méritos. Se o Senhor dos Exércitos não tivesse deixado um remanescente, segundo a eleição da graça, já nos teríamos tornado como Sodoma e Gomorra (Is 1:9; Rm 11:5). Mas, guardados que somos pelo poder de Deus, podemos estar seguros de que ninguém nos arrebatará das mãos do nosso Redentor (Rm 8:28-39).

4. CONCLUSÃO

Segundo Champlin, tanto o calvinismo quanto o arminianismo, bem como todas as outras  denominações cristãs, são sistemas fechados, que manipulam textos de prova selecionados, não levando em conta trechos bíblicos que não se harmonizam com o seu sistema doutrinário (Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia,  6ª ed.- 2002, 1º Vol. p. 604). Isto acontece, segundo Champlin, “porque o Novo Testamento não é tão homogêneo como certos estudiosos gostariam de fazer-nos crer” (Idem).

Esta afirmação, no entanto, não resiste a um exame acurado do sistema doutrinário conhecido como calvinismo, à luz das Escrituras Sagradas. O calvinismo é um sistema de doutrinas fundamentado nos princípios exegéticos mais sadios e aprovados pelo tempo, com base nas doutrinas da inspiração verbal, da inerrância, da suficiência e da autoridade final e absoluta das Escrituras como regra de fé e prática.

Estes cinco pontos da doutrina calvinista aqui estudados, formulados em contrapartida às posições arminianas, representam fielmente a posição reformada histórica. Assim, é possível estabelecer a diferença entre o calvinismo e o arminianismo – à luz das Escrituras – constatando que ela é ainda mais profunda do que possa parecer à primeira vista. Não é simplesmente questão de ênfase, mas de conteúdo. O calvinismo crê em um Deus que realmente salva, enquanto que o arminianismo crê em um Deus que possibilita que o homem se salve. O calvinismo crê em um Deus Pai que elege de fato, enquanto que o arminianismo crê em um Deus  Pai que apenas ratifica a eleição que os homens farão. O calvinismo crê em um Redentor que objetivamente redime, enquanto que o arminianismo crê em um Redentor em potencial, que apenas viabiliza a redenção do mundo. O calvinismo crê em um Espírito Santo que chama soberana e eficazmente indivíduos, enquanto que o arminianismo crê em um Espírito Santo que apenas “persuade moralmente”, mas que pode ser resistido.

O problema não está em que ambos creiam que as doutrinas da queda, eleição, expiação, graça e salvação têm a mesma natureza, diferindo apenas na extensão. A dificuldade não está na queda ser maior ou menor; na eleição ser condicional ou incondicional; na expiação ser limitada ou ilimitada; na graça ser resistível ou irresistível; ou na salvação ser estável ou instável: O problema maior não está na extensão, mas na natureza dessas doutrinas. O problema real é que, conforme entendemos, no arminianismo a queda não é queda; a eleição não é eleição; a expiação não é expiação; a graça não é graça, e a salvação não é salvação, não correspondendo, portanto, às doutrinas calvinistas com esses mesmos nomes, conforme foram expostas neste trabalho.

Como iniciamos com Spurgeon, “O Príncipe dos pregadores”, terminaremos com o seu testemunho sobre a eleição, uma das doutrinas chave do calvinismo: “Não estou pregando aqui nenhuma novidade; nenhuma doutrina nova. Gosto imensamente de proclamar essas antigas e vigorosas doutrinas que são conhecidas pelo cognome de Calvinismo, e que, por certo e verdadeiramente, são a verdade de Deus, a qual nos foi revelada em Jesus Cristo. Por meio dessa verdade da eleição, faço uma peregrinação no passado, e, enquanto consigo, contemplo pai após pai da Igreja, confessor após confessor, mártir após mártir levantarem-se e virem apertar a minha mão. Se eu fosse um defensor do pelagianismo, ou acreditasse na doutrina do livre-arbítrio humano, então eu teria de prosseguir sozinho por séculos e mais séculos em minha peregrinação ao passado. Aqui e acolá algum herege, de caráter não muito honrado, talvez se levantasse e me chamasse de irmão. Entretanto, aceitando como aceito essas realidades espirituais como padrão da minha fé, contemplo a pátria dos antigos crentes povoada por numerosíssimos irmãos; posso contemplar multidões que professam as mesmas verdades que defendo”. (SPURGEON, apud ANGLADA, 1996:3).

BIBLIOGRAFIA

 A BÍBLIA VIDA NOVA.São Paulo, Edições Vida Nova, 1976.

A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1991.

ANGLADA, Paulo. Calvinismo – As Antigas Doutrinas da Graça. Belém, Editora Os Puritanos, 1996.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Campinas, Luz para o Caminho Publicações, 1990.

CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. São Paulo, Editora Hagnos, 6ª edição, 2002.

FALCÃO, Samuel. Escolhidos em Cristo. O que de fato a Bíblia ensina sobre a predestinação. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1997.

HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo, Editora Hagnos, 2001.

OWEN, John. Por quem Cristo morreu?. São Paulo, Publicações Evangélicas Selecionadas.