Queridos, uma das pérolas da Reforma Protestante é a afirmação de que a Bíblia é a nossa única regra de fé e conduta, ou regra de fé e prática. Obviamente, conquanto os reformadores tenham se esforçado para implantar essa ideia, usando inclusive a força, encarceramento, banimento e até pena de morte para quem discordasse, a História da Igreja prova que eles não conseguiram, porque nada se consegue se não for pela graça de Cristo, e no seu poder. Hoje nós sabemos que, em muitas das suas práticas religiosas, inclusive com prisões e mortes em nome de Deus, os reformadores erraram.
Porém, se no tempo de Lutero, Calvino, Knox, homens zelosos com o ensino da Palavra, e que até obrigavam as pessoas a praticá-la, nem sempre eles obtiveram sucesso no seu ministério, imaginem em nossos dias, quando o ensino é vergonhosamente negligenciado, e a Palavra de Deus é escandalosamente mercadejada. Pois é, mas, de forma cínica, a afirmação da Reforma Protestante continua sendo repetida pelas Igrejas ditas evangélicas dos nossos dias: a Bíblia é a nossa única regra de fé e conduta, ou regra de fé e prática.
A questão é: se não há ensino correto das Escrituras, como alguém poderá praticar uma regra que não conhece? Indo mais além, ainda que haja ensino correto, precisamos saber que não há possibilidade de doutrinar quem não foi convertido. Não há possibilidade de santificar quem não foi justificado pelo sangue do Cordeiro. Então, a realidade das igrejas ditas evangélicas dos nossos dias é simplesmente terrível: entupidas de pessoas não convertidas recebendo ensinamento errado, e todos pensando que são crentes.
Alguém pode negar essa realidade? Que importância se dá à palavra de Deus nas igrejas? Quantas vezes ela é usada para confrontar o pecado do povo? O que se vê e o que se ouve nos chamados cultos, senão posições pessoais dos pregadores, com seus discursos psicologizados e politizados, além de cânticos agradáveis, sem nenhuma teologia?
Ora, se nas igrejas é assim, o que esperar que esses ditos crentes reproduzam em suas casas? Pode-se esperar que eles estudem a Bíblia, ensinando aos seus filhos? Pode-se esperar que eles cresçam em santidade de vida, sem o conhecimento da doutrina? E mais, pode-se imaginar que eles sejam convertidos, se não têm o menor desejo de saber qual a vontade de Deus para as suas vidas, conforme ele mesmo revelou na sua Palavra? Por acaso nós não vemos claramente que eles querem é dizer a Deus qual a vontade deles, para que Deus lhes conceda o que desejam? Quantos entre os que estão aqui e que me assistem estão nessa condição?
Irmãos, queridos, precisamos saber que a doutrina obrigatoriamente precede a santidade. Por isso, a palavra de Deus precisa ocupar o lugar central na vida do crente. É a palavra que salva; é a palavra que ensina; é a palavra que repreende; é a palavra que corrige; é a palavra que educa para a justiça; ou seja, é a palavra que salva e santifica, como Paulo ensina a Timóteo (2Tm 3.14-16). Aliás, este é o ensino de todos os apóstolos em suas cartas doutrinárias. Conforme eu lhes tenho dito, as cartas apostólicas não têm o objetivo de converter ninguém, e sim, doutrinar os convertidos, a fim de que eles cresçam em santidade de vida.
Não há possibilidade de alguém crescer em santidade sem crescer no conhecimento da doutrina, uma vez que a doutrina é a expressão da vontade Deus para as nossas vidas. Por isso, o Senhor Jesus, orando ao Pai pelos seus discípulos, pede assim: Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade (Jo 17.17). Ou seja, a santificação aumenta quanto mais conhecemos a palavra de Deus, o Santo, e foi ele quem ordenou: Sede santos como eu sou santo (Lv 11.44-45).
Mas isso é impossível! Como pecadores podem ser santos como Deus é santo? É isso que o apóstolo Pedro está ensinando aos irmãos a quem escreveu, e a nós, observados alguns aspectos indispensáveis à nossa compreensão, conforme o texto que lemos.
Precisamos partir do conhecimento de que os destinatários da carta são salvos pela ação maravilhosa de Deus Pai, que os elegeu, Deus Filho, pela aspersão do seu sangue, e Deus Espírito Santo, em santificação (1.1-2). Precisamos seguir no conhecimento de que aqueles irmãos, segundo a revelação dada a Pedro, uma vez salvos, são guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo (1.5). Como eu já disse, as cartas não visam à conversão, mas, à santificação dos convertidos, até que eles cheguem à glória eterna do Pai.
Pois bem, a par desse conhecimento, o apóstolo segue confirmando o entendimento de que a salvação como um todo, tanto a eleição pelo Pai, como a justificação pelo Filho, também agora a santificação pelo Espírito é inteiramente pela graça (v.13). Observem que nós precisamos estar atentos a estes ensinamentos. É isso que quer dizer sede sóbrios: Ao contrário de um bêbado, desatento, disperso, os irmãos devem estar atentos à doutrina, cingindo o vosso entendimento, sabendo que a nossa santificação se dá pela graça de Cristo, pela ação do Espírito Santo, aquele que traz a revelação, e que ilumina o nosso entendimento.
Irmãos, isso é maravilhoso demais! A nossa parte na salvação é apenas agir como filhos da obediência, enquanto buscamos o crescimento em santidade à medida que crescemos no conhecimento da doutrina. O Salmista tinha conhecimento destas coisas, e declara que por meio dos teus preceitos, consigo entendimento (Sl 119.104).
Isso quer dizer que cingir o entendimento de forma sóbria, ou atentamente, significa que nós precisamos agir constantemente no sentido de buscar esse entendimento, e o entendimento vem pelo conhecimento dos preceitos de Deus, como diz o salmista. Portanto, para entender a doutrina nós precisamos estudá-la, iluminados pelo Espírito Santo, orientados por um pastor-mestre constituído pelo mesmo Espírito Santo (At 20.28). É isso que Pedro está fazendo com aqueles irmãos. É esse o papel de um pastor: apascentar, ensinar, conduzir o rebanho do Senhor. Não pode ser diferente!
Ao invés de seguir a vida como vivíamos antes da conversão, segundo as paixões do mundo, agora, como filhos da obediência, não devemos mais nos conformar com este século, como Paulo também ensina aos Romanos (Rm 12.2). Repito, todas as cartas apostólicas ensinam a mesma coisa: santidade de vida para aqueles que foram eleitos pelo Pai, justificados pelo Filho, e que agora são conduzidos pelo Espírito Santo.
Observem que os salvos, não vivem mais na ignorância (v.14). Agora, iluminados pelo Espírito Santo, pelo ensino de um pastor constituído pelo Espírito Santo, como Pedro está fazendo aqui, eles devem buscar a santificação; eles devem buscar a semelhança de Cristo em todo o seu procedimento (v.15), porque esta é a ordem de Deus, que os salvou completamente: Sede santos, porque eu sou santo (v.16).
Prestem atenção, irmãos! Não há que se falar em salvação à parte da palavra de Deus. Não há que se falar em santidade à parte do conhecimento doutrinário, pelo estudo diligente da lei de Deus, que é a revelação da sua vontade para as nossas vidas, conforme ele, pela sua graça, deixou registrada nas Escrituras Sagradas.
Como o mesmo apóstolo Pedro se apresenta na sua segunda carta, graça e paz vos sejam multiplicadas, no pleno conhecimento de Deus e de Jesus nosso Senhor (v.2), ele continua afirmando que esse pleno conhecimento de Deus nos é dado pelo seu divino poder, para que tenhamos todas as coisas que conduzem à vida e à piedade (v.2).
Pois é, irmãos! Esse conhecimento completo está nas Escrituras Sagradas. Segundo o ensino apostólico que vimos hoje, os salvos, como filhos obedientes, pela mesma graça que os salvou, haverão de buscar esse conhecimento, com a finalidade de serem santos, porque o Senhor é santo.
Que Deus nos conceda graça para que, não apenas como um chavão herdado da Reforma Protestante, a Bíblia realmente seja a nossa regra de fé e prática, a fim de que vivamos para louvor da glória do nosso Senhor. Amém.