Queridos, como hoje é dia de Santa Ceia, vamos novamente meditar sobre as palavras do Senhor, buscando o entendimento correto do seu ensino. O que ele quis dizer com isto é o meu corpo e isto é o meu sangue? Como sabemos, há muitas heresias a respeito desse assunto: As mais conhecidas são a transubstanciação, que afirma que o pão e o vinho realmente se transformam na carne e no sangue de Cristo, e a consubstanciação, segundo a qual, Cristo está presente nos elementos pão e vinho. Ora, como Jesus mesmo afirmou, ele está presente não apenas na celebração da Ceia, mas em todos os momentos da vida dos seus discípulos (Mt 28.20).
O que realmente Jesus ensina nesse texto?
Em primeiro lugar, não há dúvida de que o sentido das palavras do Mestre é: este pão representa o meu corpo; este vinho representa o meu sangue. Certamente Jesus não disse e nem quis dizer que o pão oferecido aos seus discípulos era literalmente o seu corpo, nem que o vinho era literalmente o seu sangue.
A própria reação dos discípulos não nos permite sequer imaginar isso. Eles eram todos judeus, ensinados desde a infância que não deviam comer a carne juntamente com o sangue (Dt 12.23-25). Por isso, no episódio da multiplicação dos pães, ao ouvir de Jesus que ele era o verdadeiro alimento, e que deveriam comer da sua carne e beber do seu sangue, todos o abandonaram, e até mesmos os seus discípulos se escandalizaram com aquela palavra (Jo 6). No entanto, neste momento da Santa Ceia, a narrativa bíblica não demonstra que eles tenham sequer estranhado as palavras de Jesus. Evidentemente, eles não viram qualquer mudança no pão nem no vinho.
Outro elemento de prova contra qualquer heresia que ensine a modificação dos elementos da ceia são os nossos próprios sentidos. Quando tomamos a Ceia do Senhor, a nossa visão, nosso tato, olfato e paladar nos dizem que o pão é realmente pão, e que o vinho é realmente vinho, sem que haja qualquer alteração substancial neles.
Finalmente, não há dúvida que a linguagem usada por nosso Senhor por ocasião da Ceia tinha o caráter figurativo, como tantas vezes ele se utilizou desse recurso de linguagem, que é a metáfora: Eu sou a luz do mundo (Jo 8.12); Eu sou a porta das ovelhas (Jo 10.7); Eu sou o caminho (Jo 14.6); Eu sou a videira verdadeira (Jo 15.1); e, como todos nós bem sabemos, Jesus não é literalmente nem luz, nem porta, nem caminho, nem videira. O Mestre apenas estava fazendo uso de linguagem figurada, metafórica.
Ensinando aos coríntios sobre esse assunto, Paulo lhes diz: Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tom ou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo que é dado por vós; fazei isso em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança do meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim (1Co 11.23-25). Ou seja, aqueles coríntios precisavam discernir o que estavam fazendo, uma vez que desvirtuaram a Ceia do Senhor, dela participando sem nenhuma reverência, com pouca ou nenhuma comunhão entre os irmãos.
Percebem, irmãos, como não há nada de extraordinário na Santa Ceia, a não ser a grata memória do que Cristo fez por nós na cruz? Obviamente, só podemos trazer à memória aquilo que conhecemos previamente. Por isso, quando meditamos na Palavra de Deus, precisamos fazê-lo sob a iluminação do Espírito Santo, com discernimento, entendido que o discernimento é fruto do conhecimento, a fim de que não aceitemos qualquer heresia. Irmãos, eu insisto! Precisamos manejar bem a Palavra da verdade, o que só é possível pelo estudo diligente, para que não incorramos em erros doutrinários.
Em segundo lugar, aprendemos nestes versículos, com que propósito, e qual o objetivo pelo qual a ceia do Senhor foi instituída.
A Ceia do Senhor, diferentemente do que muitos ensinam, não é um sacrifício, não há nenhuma oferenda ou coisa parecida, a não ser nossas orações, louvores e ações de graças. Não há nada misterioso na Ceia do Senhor.
A Ceia do Senhor foi por ele ordenada para ser um memorial contínuo do sacrifício da morte de Cristo até que ele volte (v.29; Lc 22.19; 1Co 11.24-25). Atenção, irmãos! A Ceia é um memorial contínuo do sacrifício de Jesus, e não um sacrifício contínuo, como muitos imaginam e ensinam. É por isso que a Ceia é um meio de graça àqueles que dela participam, com discernimento e fé. Os benefícios que ela concede são espirituais e não físicos. Logo, o mero ato formal de comer o pão e beber o vinho será completamente inútil, e até prejudicial espiritualmente, a menos que seja feito com um reto coração, em grata memória por tão grande salvação recebida pela graça de Deus.
A finalidade da Ceia é, pois, fazer-nos lembrar mediante elementos visíveis e tangíveis como o pão e o vinho, que o oferecimento do corpo e sangue de Cristo por nós na cruz do Calvário, é o único meio de expiação dos nossos pecados, para nos reconciliar com Deus.
O seu propósito é ajudar nossa fé tão pequena, para que tenhamos um relacionamento cada vez mais próximo com o Senhor, que deu a sua vida por nós. Participando da Ceia com essa atitude, com esse discernimento, veremos que o nosso arrependimento será mais profundo, quando lembramos que os nossos pecados foram a causa do sacrifício de Cristo; nossa fé será fortalecida, nosso amor aumentado e nossa esperança avivada. Jesus morreu para nos salvar e para nos levar à glória do Pai. Essa é a graça recebida na Ceia, que nos aproxima mais de Jesus Cristo.
Em terceiro lugar, aprendemos nesta passagem lida, que todos devem participar da Ceia do Senhor. Conquanto sejamos influenciados pela cultura católica romana a considerar os discípulos como “santos”, certamente os participantes da primeira ceia não eram diferentes de nós. Assim como todos eles foram, chamados à Ceia, nós também.
Aquele pequeno grupo era formado pelos doze discípulos de Jesus, todos eles homens simples que o próprio Senhor havia escolhido para segui-lo. Eles andavam sempre com Jesus, mas eram todos igualmente fracos e pecadores, assim como nós. Pensavam que estavam dispostos a dar a vida por Cristo, como Pedro afirmou (Mt 26.35), no entanto, algumas horas depois, todos o abandonaram.
Sem nenhuma dúvida, o Senhor Jesus conhecia o seu verdadeiro caráter, e mesmo assim, não lhes negou a participação na Ceia, nem mesmo a Judas, o traidor. Esta atitude de Cristo nos ensina que não devemos exigir grande conhecimento, nem grande santidade ou vigor espiritual para poder participar da Santa Ceia.
Às pessoas que, ás vezes, se abstêm de participar da Ceia porque se acham indignas, eu quero lhes dizer que são indignas mesmo. Saibam que devemos participar da Ceia do Senhor não por causa da nossa dignidade, mas por causa da dignidade de Jesus, o nosso Salvador. É ele que, de forma simbólica, explica o seu sacrifício para nos salvar, e ordena que participemos da Ceia como memorial, com os corações cheios de gratidão por tão grande salvação.
Por isso, neste momento especial, o que precisamos ter em mente é: nós entendemos a salvação simbolizada na Santa Ceia? Estamos realmente ressentidos dos nossos pecados? Nós realmente amamos a Cristo, e manifestamos esse amor no amor ao próximo? Nós temos o desejo sincero de servi-lo, e materializamos esse serviço no serviço ao próximo? Se todas as respostas forem positivas, se temos plena consciência da graça salvadora, na direção do Espírito Santo, todos nós que fomos batizados e fizemos nossa profissão de fé, podemos e devemos participar da Ceia do Senhor com a dignidade que ele nos conferiu. Tomai e comei! Tomai e bebei!
Diante da palavra do Senhor e do ensinamento apostólico, que cada um examine-se a si mesmo, e participe da Ceia do Senhor, de forma racional e humilde, com fé no coração, sentindo a necessidade de Jesus Cristo em sua vida, e desejando realmente viver uma vida Cristã, para louvor da glória de Deus. Amém!