Queridos, o livro de Cantares é um poema de amor conjugal. Muitas pessoas, inclusive crentes, quando leem este livro, não conseguem discernir porque ele faz parte do cânon bíblico, já que nele não há nenhum tema religioso, não há nenhuma menção a Deus ou algo que indique o seu senhorio, nem faz qualquer alusão ao pacto, à lei, ou à aliança de Deus com o seu povo eleito.
Por que, então, este livro está na Bíblia? Por que os judeus viram neste poema um amor perfeito, e por isso o trataram como uma alegoria ao amor entre Deus e sua esposa, Israel, conforme Deus mesmo se refere várias vezes ao povo de Israel através dos profetas. Posteriormente, no cristianismo, essa alegoria foi estendida ao amor entre Cristo e a sua noiva, que é a igreja, segundo a doutrina do apóstolo Paulo.
Portanto, com base nesses dois versículos lidos e na alegoria que eles encerram, associando ao ensino geral da Bíblia, trataremos hoje da nossa relação de amor com Deus, a relação de amor entre Cristo e o cristão, entre Jesus e a sua Igreja, vista de forma poética.
Em primeiro lugar, seguindo essa alegoria, observem como Cristo vê o cristão: Qual lírio entre os espinhos, tal é a minha querida entre as donzelas (v.2). Vejam que coisa linda! Não há nada neste mundo mais precioso para Cristo do que o cristão, o crente. Como está escrito em Dt 32.10; Sl 11.8; Zc 2.8, nós somos a menina dos olhos de Deus. O resto do mundo é como espinhos, mas o crente, aos olhos de Cristo, é como um belo lírio entre os espinhos.
Porém, para que ninguém se ensoberbeça com isso, precisamos lembrar que somos apenas lírios, e que os lírios não são exatamente as mais belas das flores. São simples flores do campo. É certo que a mais singela das flores, como o lírio, quando nasce em meio a espinhos, destaca-se como uma obra divina de rara beleza, a ponto de Jesus dizer que nem Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um deles (Mt 6.29). Portanto, precisamos lembrar que a nossa beleza não está exatamente em nós, mas na obra do Senhor em nossas vidas, para que nos destaquemos em meio aos espinhos.
Basta considerar as duas variáveis: lírio e espinhos. Os lírios são os cristãos, e os espinhos são os descrentes. Os lírios são aqueles que o Pai deu ao Filho. Como Jesus mesmo disse, ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o trouxer, e eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6.44). Portanto, ser lírio é obra graciosa de Deus em nós. Os espinhos, por sua vez, são aqueles que rejeitam a salvação de Jesus, aos quais ele diz: contudo, não quereis vir a mim para terdes vida (Jo 5.40). Que coisa terrível é estar sem a vida que Cristo oferece! Quantas pessoas nós conhecemos, sejam bonitas, sejam importantes, sejam poderosas, mas que aos olhos de Cristo não passam de espinhos que serão lançados ao fogo.
Assim é o mundo em que vivemos, cheio de espinhos e abrolhos cujo fim é serem queimados. Nós, porém, o Senhor Jesus olha e nos vê como lírios entre os espinhos: Qual lírio entre os espinhos, tal é a minha querida entre as donzelas. A querida de Jesus é a sua igreja que ainda está aqui neste mundo, mesmo entre os espinhos, e é mais linda do que qualquer donzela. Jesus olha e vê entre os espinhos, lírios brancos, purificados que foram com o seu sangue precioso, a sua igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem cousa semelhante, porém santa e sem defeito (Ef 5.27). É assim que Jesus vê a sua Igreja: Qual lírio entre os espinhos, tal é a minha querida entre as donzelas. Como é bom saber disso! Como isso nos encoraja a seguir adiante, mesmo em meio a tantos espinhos, porque sabemos que somos amados e preciosos aos olhos do nosso Senhor Jesus. Por isso, não podemos deixar de honrá-lo com a nossa obediência.
Em segundo lugar, seguindo a alegoria do poema, observem como o crente vê o seu Senhor Jesus Cristo: Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o meu amado entre os jovens; desejo muito a sua sombra e debaixo dela me assento, e o seu fruto é doce ao meu paladar (v.3). A alegoria lembra alguém que, ao chegar em um bosque, escolhe descansar sob uma árvore que além de lhe dar sombra, também lhe dê frutos saborosos, como é o caso da macieira. É assim que o crente identifica Jesus entre tantos deuses no mundo: como o seu Salvador, o seu refúgio, a sua satisfação plena.
Observem que na alegoria há outras árvores no bosque, assim como há outros deuses neste mundo, e nós sabemos disso, porque o próprio Senhor Jesus nos avisou: Porque virão muitos em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e enganarão a muitos (Mt 24.5). Por isso, o crente não vai atrás de qualquer pregador que prometa bênçãos, não vai buscar refúgio em qualquer lugar. Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o meu amado entre os jovens. Observem que não basta qualquer árvore que dê sombra. É necessário que ela também dê fruto. Desejo muito a sua sombra e debaixo dela me assento, e o seu fruto é doce ao meu paladar.
De igual modo, qualquer outro deus não é suficiente. Somente o Senhor Jesus é Criador, Salvador, Sustentador e Santificador, e os crentes sabem disso muito bem. Afinal, foi ele mesmo quem nos escolheu, nos salvou, e é por isso que o conhecemos e o preferimos entre os outros deuses, entre as outras árvores do bosque: Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o meu amado entre os jovens; desejo muito a sua sombra e debaixo dela me assento, e o seu fruto é doce ao meu paladar.
O verdadeiro crente sabe disso por experiência própria. Nesta terra que produz espinhos e abrolhos, o crente pode experimentar a sombra refrescante da macieira, e a nutrição do seu fruto saboroso. Por isso, eu insisto em alertá-los para o fato de que não basta um conhecimento intelectual sobre o Senhor Jesus, assim como não basta um conhecimento intelectual sobre a macieira, sobre a sua sombra e sobre o seu fruto, a maçã. É preciso experimentá-los para saber como realmente são aprazíveis.
Muitas pessoas, especialmente os jovens, pensam que ser crente é uma coisa sem graça, sem alegria e sem prazer. Pensam que ser crente significa trocar os prazeres da vida por igrejas, leituras bíblicas, sermões, mas elas estão enganadas. De acordo com o poeta, em sua alegoria, quando desejamos o nosso Senhor Jesus como o nosso amado, descobrimos como a sua sombra é agradável, e como o seu fruto é doce ao nosso paladar.
É por isso que os verdadeiros crentes não só descansam à sombra de Cristo, como também saboreiam o seu delicioso fruto, o fruto do Espírito que nos santifica, pelas misericórdias de Deus que se renovam a cada manhã em nossas vidas, e que são doces ao nosso paladar. Porém, é preciso lembrar que somente os verdadeiros crentes experimentam sentar-se à sombra das bênçãos de Cristo, e das misericórdias do pacto eterno de Deus, que se cumprirá no dia em que o Senhor Jesus vier buscar a sua igreja.
Enquanto isso, enquanto estivermos nesse mundo, mesmo em meio a espinhos, mesmo em meio a aflições, continuaremos sentindo o gozo de ouvir o nosso Senhor dizendo: Qual o lírio entre os espinhos, tal é a minha querida entre as donzelas, ao mesmo tempo em que retribuímos o seu grande amor, cheios de contentamento, ao lhe responder: Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o meu amado entre os jovens; desejo muito a sua sombra e debaixo dela me assento, e o seu fruto é doce ao meu paladar.
Mesmo visto de forma alegórica, poética, este é o relacionamento com Cristo que almejamos para a nossa Igreja, porque só esse tipo de relacionamento é capaz de refletir a intimidade, o amor que há entre Cristo e o cristão, entre Jesus e a sua Igreja. Que Deus nos ajude a compreender a sua doutrina, e nos conceda graça para que vivamos de acordo com a sua vontade, para louvor da sua glória. Amém.